Maternidade e a universalização do cuidado

Entre os inúmeros papeis exercidos por mulheres, a maternidade é sem dúvida o mais desigual, injusto e desiquilibrado
Giss Zarbietti
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O Dia das Mães é uma data propícia para refletir sobre as nuances e a complexidade da maternidade, bem como para debater a exaustão das mães que não contam com uma rede de apoio, a fragilidade do Estado em enxergar a função social da maternidade e todas as variáveis que envolvem o trabalho do cuidado. Sua relação com a luta por direitos e espaços num país tão desigual e que carece de políticas públicas para conter os desequilíbrios nos papeis de gênero é um desafio emergente para enfrentar outras problemáticas e assimetrias sociais.

Foi Gabriela Mistral, pseudônimo de Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, grande poetisa, educadora e diplomata chilena que elevou a maternidade à condição de nobreza e sacralidade. Primeira mulher a conquistar o Nobel da Literatura da América Latina, em sua obra retratou o amor materno como um vínculo que transcende a questão biológica e se relaciona ao cuidado humanitário, sobretudo, ao ato de reivindicar justiça social.

Entre os inúmeros papeis exercidos por mulheres, a maternidade é sem dúvida o mais desigual, injusto e desiquilibrado. Por traz da responsabilidade com o trabalho de cuidar, existe uma longa e complexa jornada não remunerada que desafia ainda mais as mães que precisam conciliar sua atividade profissional com o trabalho de cuidar e não contam com uma rede de apoio. Maternar significa trabalhar horas a mais, ter uma vida sem escolhas, se contentar com qualquer emprego, qualquer salário, em não ter tempo para si e se conformar com essa realidade.

Enxergar a complexidade do exercício da maternidade é reconhecer a ausência de cidadania às mães. É perceber que as trabalhadoras também são mães e precisam cumprir suas jornadas mesmo quando as escolas estão em recesso escolar ou fechadas na emenda do feriado. O trabalho do cuidado designado às mães é o que garante todos os outros, mas infelizmente para o Estado e a sociedade, os filhos ainda são uma responsabilidade exclusiva das mulheres.

Assim como muitas literaturas apontam a maternidade como a desconstrução, é preciso desconstruir a figura imaculada da mãe, o romantismo envolvendo a pauta, os títulos de heroínas e guerreiras, que não condizem com as assimetrias de quem enfrenta a dupla e até tripla jornada. Em vez de rótulos, precisamos que a estrutura pública acompanhe as necessidades das mulheres para que seus filhos sejam cuidados, protegidos e cresçam com saúde física, mental, emocional e espiritual.

Entender a maternidade como pauta universal e reconhecer o cuidado como trabalho são desafios complexos, mas que ajudariam a enfrentar todas as outras problemáticas sociais. A crise climática e da saúde pública, o sucateamento da educação, o déficit previdenciário, as transformações no mercado de trabalho, entre tantas outras, são questões que impactam as mães e desafiam ainda mais o ato de cuidar.

Para além do equilíbrio entre vida pessoal e trabalho é preciso ainda garantir o cuidado daquela que cuida. Construir políticas públicas que efetivem o trabalho do cuidado é uma emergência para superar as condições de desigualdades e, principalmente, avançar enquanto civilização. Como diz Freud, a mãe cumpre sua missão quando se torna desnecessária. Mais do que nunca é preciso garantir às mulheres condições de estimular seus filhos a terem autonomia e prepará-los para enfrentar o mundo.

 

 

 

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