O trabalho do cuidado, hoje 85% nas mãos de mulheres, é responsável por tirar mais de cinco milhões de mães do mercado de trabalho formal. Este número é quase a metade do contingente de mulheres que criam filhos sozinhas no Brasil, que já ultrapassa 11 milhões. Na atual conjuntura de exposição de crianças e adolescentes ao ambiente virtual com a oferta de ódio, ideias ‘masculinistas’ e incentivo à ‘adultização’ e ao cyberbullying é evidente a relação da maternidade com a luta política e o enfrentamento à extrema direita.
É nesse cenário de invisibilidade materna que nos deparamos com o desafio cada vez mais complexo de criar filhos numa era marcada pelo uso constante da tecnologia, sem garantia de políticas públicas e estrutura para que nossas crianças cresçam em ambientes seguros. Tão inaceitável quanto é ver como a escassez de iniciativas de amparo a essas famílias que criam filhos atravessadas por jornadas de exaustão leva grande parte das mães a verem o empreendedorismo como única alternativa para sua existência.
Duas séries disponíveis nas plataformas de streaming e que veem provocando reflexões colocam a economia do cuidado no centro de debate sobre a exposição virtual ao tratar o adolescer em tempos de manipulações algorítmicas. Tanto a britânica “Adolescência” quanto a série nórdica “A Reserva” expõem as contradições e desigualdades de uma sociedade refém da ausência de alternativas sobre parentalidade.
De um lado, pais que não querem reproduzir com os filhos o que viveram e, de outro, a insuficiência de serviços ante um Estado que ainda trata a maternidade como uma questão privada e individual. Diante da complexidade da pauta, a agenda do cuidado precisa ser vista em uma dimensão universal.
Essencial para manter a economia ao garantir que todas as profissões existam e se desenvolvam, o trabalho do cuidado envolve um conjunto de atividades não remuneradas que vai desde o suporte físico e emocional ao apoio psicológico. Foi Alexandra Kollontai uma das pioneiras a pautar esse tema, em plena Revolução Russa. Muito à frente de seu tempo, ela também defendia o amor livre e um modelo de família sem servidão doméstica.
Seus ideais que visavam libertar as mulheres de toda carga opressora do trabalho doméstico repetitivo, enfadonho, excludente e sem renda foram considerados polêmicos e desaprovados até mesmo pelos chamados revolucionários do então Partido Comunista Soviético. Infelizmente, uma condição que prevalece ainda hoje quando pesquisas atestam que no campo progressista os “esquerdo-machos” são os que mais excluem mulheres dos postos de comando. A mesma contradição se dá com a constatação de que o partido que forma base em todos os governos do país, o MDB, é também o que menos inclui mulheres.
A realidade é desafiadora e complexa, mas a esperança começa a pulsar com a aprovação recente do Projeto de Lei 2628, que abre caminhos para a regulação das plataformas digitais. Isso tudo ao mesmo tempo que o Brasil institui a Política Nacional de Cuidados como forma de reconhecer e valorizar o trabalho invisível. Que possamos alicerçar um novo ciclo de desenvolvimento e canalizar processos de transformação que coloquem o protagonismo feminino nas trincheiras do progresso.